Stallone, versão à sombra de gigantes
O ator completa 79 anos neste domingo (6) e, como homenagem, exploramos a sua filmografia para além do ringue e da selva.
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Domingo, 6 de julho, é aniversário do astro Sylvester Stallone, cuja carreira é diretamente associada a dois nomes: Rocky Balboa e John Rambo. Ícones do cinema de ação hollywoodiano, esses personagens foram - e ainda são - explorados à exaustão em suas respectivas franquias e entraram no imaginário da cultura pop.
"Eu acho que tenho sorte o suficiente para entender que não me separo dos meus personagens", disse o ator, certa vez, em Cannes, destacando que Rocky e Rambo são faces de uma mesma moeda. De um lado, o otimismo em busca do sonho americano; do outro, a percepção de que ter sido um herói de guerra não o impediu de assumir o rótulo de "descartável" para o seu próprio país.
É por essa linha que Stallone andou em seis filmes e dois derivados, no caso do boxeador da Filadélfia; e em cinco filmes do veterano do Vietnã. Claro, esse andar, aqui e ali, foi trôpego, mas o fato é que ninguém é capaz de negar a importância e, principalmente, a popularidade de ambos os heróis para o cinema.
Mas o efeito colateral aqui é que outros filmes de Stallone ficam em segundo plano, menos falados, embora sejam tão bons ou até icônicos na mesma medida. No Brasil, felizmente, eles até ganharam mais reconhecimento por causa do sucesso nas videolocadoras, nos anos 1980 e 90, e das inúmeras reprises na televisão.
E como aqui adoramos o cheiro embolorado das fitas VHS, deixemos Rocky e Rambo descansando um pouco e vamos explorar mais a fundo a filmografia de "Sly" nas cinco dicas a seguir.
Cop Land (1997)
Freddy Heflin é o xerife de uma pacata cidade habitada por policiais de Nova York. Quando descobre corrupção entre seus colegas, ele precisa decidir entre a lealdade e a justiça. Talvez o filme mais diferente da carreira de Stallone - claro, sem contar as suas incursões na comédia propriamente dita, que decididamente naufragaram. Aqui não. Trata-se de um drama policial intenso, soturno e com uma construção narrativa bem lenta para os padrões do cinema feito pelo astro até então - e que se mantém inclusive hoje.
Dirigido por um diretor que viria a se tornar classe A (James Mangold) em Hollywood, tem também um elenco do primeiro time, como Robert De Niro, Ray Lyotta e Harvey Keitel. A atuação de Stallone é contida, na medida para expor a vulnerabilidade do seu personagem. Ele faz, de fato, um ótimo trabalho, revelando a frustração de Heflin no olhar, na apatia... "Todo mundo gritava com ele. Eu pensava: 'Se isso aqui fosse um dos meus filmes convencionais, eu já teria metralhado todo mundo", chegou a afirmar Stallone. Daí vocês tiram.
Onde assistir: Mercado Play, Paramount+, Amazon Prime Video (aluguel) e Apple TV (aluguel).
Falcão - O Campeão dos Campeões (1987)
Lincoln Falcão é um caminhoneiro e lutador de braço de ferro (ou queda de braço, como preferir) que tenta se reaproximar do filho após a morte da ex-esposa. Entre torneios e conflitos familiares, ele busca reconquistar seu lugar como pai. O filme é um dos mais populares de Stallone por aqui e foi obra da Cannon, estúdio picareta que produziu um sem número de fitas "B" até meados da década de 1990. Mas se cuidado e esmero cinematográficos passavam longe, a Cannon pelo menos teve o mérito de entregar muito, mas muito carisma.
E é exatamente isso que salva aqui. O roteiro é previsível, cheio de clichês. Mas nenhuma tosquice me impediu, quando criança, de virar o meu boné imaginário para trás e, ao som de "Meet me half way", fingir ser o personagem de Stallone durante as competições deste "esporte" no recreio do colégio. Ah, os adversários de Falcão são um show à parte.
Onde assistir: Looke, Globoplay, Oldflix, MGM+ Apple TV Channel, MGM Plus Amazon Channel, Telecine Amazon Channel ou no NetMovies.
O Demolidor (1993)
No futuro, o policial John Spartan é descongelado para capturar um criminoso também congelado décadas antes. Ele enfrenta uma sociedade pacífica e controlada, onde violência e liberdade são, aparentemente, coisas do passado. Neste filme, a ação divide o espaço com a ficção científica, mas tudo com muito bom humor e com espaço até para a crítica social. Some-se um vilão bacanudo, interpretado por Wesley Snipes, e uma Sandra Bullock sempre encantadora, temos como resultado uma produção ao mesmo tempo frenética e charmosa.
Algumas piadas entraram para o rol das melhores da filmografia de Sly, como aquela que explora o uso de conchas ao invés de papel higiênico ou então a da nova forma de intimidade daquela sociedade. O tom de sátira predomina do início ao fim e nada ali deve ser levado a sério.
Onde assistir: Claro tv+, Apple TV (aluguel) e Amazon Prime Video (aluguel).
Assassinos (1995)
Robert Rath é um assassino profissional prestes a se aposentar, mas seu passado o alcança quando um rival mais jovem tenta tomar seu lugar. Em meio a traições e alvos inesperados, ele enfrenta dilemas morais e perigos mortais. Mais uma vez um roteiro cheio de problemas é mascarado. Agora, pelo duelo entre Stallone e Antonio Banderas. A química entre eles é ótima e carrega o filme, que ainda tem Julianne Moore, como a mocinha/bandida, quebrando com muita simpatia o excesso de testosterona.
"Assassinos" é provavelmente o ensaio que Sly fez para "Cop Land". Ele tenta adotar um tom mais sério para o seu personagem, com um arco narrativo mais complexo. Assim, troca a ação desenfreada por uma pegada na linha do thriller. Outro indício dessa tentativa de mudança de rumo é ter Richard Donner no comando do filme, diretor renomado e com prestígio de sobra no gênero. O filme não chega no patamar pretendido, mas entretém, sem dúvida.
Onde assistir: Amazon Prime Video (aluguel) e Apple TV (aluguel).
Stallone Cobra (1986)
O tenente Marion "Cobra" Cobretti é um policial implacável encarregado de proteger uma testemunha de um culto assassino. Usando métodos extremos, ele persegue justiça nas ruas violentas de Los Angeles. É um clássico da ação oitentista. "Cobra" é uma tranqueira, e foi execrado pelos críticos com toda a justiça do mundo. Mas foi abraçado pelo público, que o alçou ao nível de "tranqueira de primeiríssima qualidade".
O filme é problemático ao extremo. Tenho ciência disso e quero continuar, por favor. Ele claramente glorifica a violência e o "herói" tem uma visão de mundo tacanha e ideias reacionárias, do tipo "bandido bom é bandido aniquilado" - um Dirty Harry anabolizado; ou, como definiu Sly: “Um Bruce Springsteen com um distintivo”.
Apesar disso, é hipnótico, um deleite. Muito por culpa do humor involuntário. No afã de ressaltar a masculinidade do personagem, Stallone exala o espírito brucutu mais do que nunca e está hilário. Seja quando corta a pizza com uma tesoura ou guarda seu kit de limpeza de armas na caixa de ovos na geladeira. Fora o maravilhoso bordão: "Você é a doença, eu sou a cura". É uma experiência. Sádica, sim. Mas uma experiência.
Onde assistir: Amazon Prime Video (aluguel), Microsoft Store (aluguel) e Apple TV (aluguel).
Rebobine, por favor
Do papel para a tela: confira abaixo um texto direto da coluna no jornal Diário do Pará.
“Doutor Fantástico”: a guerra como o maior prazer do homem
O filósofo inglês Bertrand Russell, em sua obra “Por que os homens vão à guerra”, de 1916, propôs uma reflexão sobre o que levava a humanidade a um estado de permanente beligerância e o que fazer para evitar a sua entrada em conflitos. Para o vencedor do prêmio Nobel de Literatura, a partir do momento em que temos pessoas reprimidas socialmente, vivendo sob o excesso de razão e exercendo um sentimento de posse, as inclinações primitivas e hostis tendem a surgir mais facilmente. Seria preciso, portanto, seguir um caminho mais natural, de viver apaixonadamente, promover a criatividade humana e o respeito às liberdades individuais. Só assim, os impulsos de guerra e matança seriam contidos.
Em “Doutor Fantástico” (1964), Stanley Kubrick brinca justamente com essa ideia, de homens que botam o mundo em risco por causa da sua masculinidade frágil e o desejo de mostrar quem tem a arma maior. Sim, a frase tem duplo sentido, pois assim é o filme. Um primor do duplo sentido. Cada detalhe tem um pé no lascivo. A começar pelo nome de alguns personagens, como o General Turgidson (referência ao órgão sexual masculino) e o embaixador Sadesky (uma homenagem a Marquês de Sade), além de soldados folheando uma Playboy e a sugestão de colocar dez mulheres para cada homem em cavernas após um hipotético juízo final para a preservação da espécie humana.
O próprio mote do filme passa por essa linha de raciocínio. Quando o General Jack D. Ripper (alusão a Jack, o Estripador) ordena um ataque nuclear à União Soviética, ele o faz porque acredita em uma teoria da conspiração na qual comunistas estariam adicionando flúor na água dos norte-americanos com o intuito de “amansá-los”, torná-los fracos. Sua intenção, assim, seria preservar os seus “preciosos fluidos corporais”. Só que lá na frente, ele afirma que parte da sua estratégia de preservação é negar seus fluidos, sua essência, inclusive às mulheres. Em outras palavras, por causa de uma subentendida disfunção erétil, General Ripper teve que provar sua “potência” ao mundo, exterminando-o.
Nos encontraremos novamente
Não sei onde
Não sei quando
Mas eu sei que nos encontraremos novamente, em algum dia ensolarado
Continue sorrindo até o fim
Assim como você sempre faz
Até que o céu azul afaste as nuvens escuras para longe.
We'll Meet Again é uma canção de 1939 da cantora inglesa Vera Lynn
Como só Ripper possuía o código para barrar o ataque, entram em cena os demais personagens, que vão tentar a todo o custo salvar a situação. O grande destaque aqui é para Peter Sellers, que interpreta três personagens: o presidente dos Estados Unidos, o Capitão Mandrake e o Doutor Fantástico, que dá nome ao filme, um cientista alemão especialista em armas. Sellers faz um trabalho de composição tão meticuloso para cada um deles - dos trejeitos alucinados de Fantástico com a sua mão que tem vida própria e faz saudações nazistas, ao estilo comedido do capitão britânico -, que dificilmente você notará que se trata do mesmo ator. Coisa de gênio.
O filme segue três núcleos: a tentativa do Capitão Mandrake em dissuadir o General Ripper e fazê-lo sustar o ataque; os soldados do avião bombardeiro que recebeu a ordem de ataque; e os políticos e demais generais na Sala de Guerra, totalmente desesperados discutindo a situação. É interessante notar que o humor em “Doutor Fantástico” raramente é escrachado. Ele vem do ridículo das atitudes e da forma de pensar de todos ali. Chega a ser extasiante, pela forma como embarcamos no absurdo, ver aqueles homens totalmente desprovidos de noção e pensar em como chegaram até ali, em como podem ser estes seres esdrúxulos os que têm poder de decisão sobre a vida e a morte. Mas também preocupante, pelo paralelo que existe com a realidade, afinal, a política retrógrada, ultraconservadora e hipócrita tem crescido no mundo todo. Passamos por uma experiência dessa no Brasil há pouco tempo, e os seus tentáculos ainda são bem visíveis.
A frase mais famosa do filme, com justiça, acontece quando Turgidson e Sadesky se engalfinham. O presidente os separa com a pérola: “Senhores, vocês não podem brigar aqui, isto é a sala de guerra!”. Ela resume à perfeição o tom caricatural e sarcástico que caracteriza a obra. Afinal, as potências mundiais se armaram até os dentes, mas usar essas armas decretaria o fim da vida na Terra. Não há como ser mais irônico do que isso. Dessa forma, a máquina do juízo final, proposta por Kubrick – em caso de um ataque nuclear, ela seria ativada e acabaria com o mundo – nada mais é do que um espelho da ignorância humana e seu prazer pela destruição. Assim, quando a bomba é finalmente lançada ao alvo, numa cavalgada exuberante protagonizada pelo Major T.J. Kong, a explosão e a nuvem atômica vêm como um poderoso orgasmo embalado pelos versos “Nos encontraremos novamente / Não sei onde / Não sei quando / Mas eu sei que nos encontraremos novamente, em algum dia ensolarado / Continue sorrindo até o fim / Assim como você sempre faz / Até que o céu azul afaste as nuvens escuras para longe”. Sim, porque o mundo pode ter acabado, mas o que importa é a satisfação alcançada.
Onde assistir: Telecine, Sony One, Claro TV (aluguel), Amazon Prime Video (aluguel) e Apple TV (aluguel).